Mineiro de São Sebastião do Paraíso, Carlos Melles, presidente do Sebrae, foi deputado federal por seis legislaturas (1995 a 2018). E, como parlamentar, foi o presidente da Comissão Especial da Microempresa instalada na Câmara dos Deputados que aprovou a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, em 2006. Nesta entrevista ao Anuário ABAD, Melles afirma que as micro e pequenas empresas somam 99% de todas as empresas do País e são responsáveis pela geração de 50% dos empregos formais. Representam, ainda, 27% do PIB nacional. Esse universo de empreendedores, no entanto, enfrenta dois grandes obstáculos: dificuldade de acesso a crédito e a baixa capacidade de inovação. Melles explica o que a entidade está fazendo para elevar o nível de competitividade dessas empresas. Leia, a seguir, a entrevista.
Anuário ABAD – Instituições financeiras públicas e privadas disponibilizaram várias linhas de crédito para micro, pequenas e médias empresas enfrentarem as consequências da pandemia da Covid-19. Ocorre que, por diversas razões, esses recursos não chegam aos seus destinatários. O que o Sebrae pode fazer para ajudar a solucionar esse problema?
Carlos Melles – Estamos agindo junto ao governo federal e ao Congresso para a criação de novas linhas de crédito voltadas para os pequenos negócios e para o fortalecimento dos sistemas de garantia de crédito para esses empreendedores. Um levantamento feito semanalmente pelo Sebrae mostrou que entre o início da pandemia, em março, até o dia 19 de junho, o número de linhas de crédito voltadas especificamente para os pequenos negócios (MEI, micro e pequenas empresas) saltou de 33 para 177. Estamos trabalhando também para ampliar o volume de instituições parceiras para a operação do Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas [Fampe]. Até o último dia 25 de junho, já contávamos com 12 organizações entre bancos públicos e privados, cooperativas de crédito e agências de fomento. Somente na operação do convênio firmado com a Caixa para a concessão de crédito assistido, com recursos do Fampe, já foi concedido R$ 1,8 bilhão em crédito para mais de 22 mil pequenos negócios. Também temos conversado com os dirigentes dos bancos, em especial da Caixa e Banco do Brasil, e com o governo federal para ver de que maneira é possível viabilizar a ampliação do crédito para os Pequenos Negócios. O Sebrae apoiou a criação do Pronampe [Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte], que traz para as micro e pequenas empresas o sucesso que o Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] representou para o campo. Essa linha de crédito tem garantia de até 100% do Fundo Garantidor de Operações do Banco do Brasil, e o Tesouro Nacional aportou R$ 15,9 bilhões no Programa. A contratação de operações está acelerada, principalmente no Banco do Brasil, que atingiu o teto por eles estipulado de R$ 3,7 bilhões, e pela Caixa Econômica Federal, que já chegou a R$ 1,5 bilhão.
Anuário ABAD – Durante esta pandemia, o Sebrae tem oferecido diversos cursos gratuitos. Houve um aumento na procura desses cursos?
Carlos Melles – De acordo com levantamento feito pelo Sebrae, as inscrições nos cursos oferecidos pela instituição cresceram significativamente nos três primeiros meses de isolamento social. Em todo o ano passado, 1,1 milhão de empreendedores fizeram os cursos do Sebrae. Em 2020, o número de inscritos nesses cursos já atingiu a marca recorde de 1,5 milhão de pessoas. O curso mais procurado é o de Marketing digital, que passou de 60 mil interessados em 2019 para 177 mil este ano, saindo da segunda para a primeira colocação entre os conteúdos mais buscados. Com a pandemia, muitos empresários se viram obrigados a fechar as portas e passar a vender seus produtos de modo online, para manter os negócios em funcionamento. O marketplace, uma plataforma até então adotada por poucos, passou a ser não apenas uma possibilidade de negócios, mas uma necessidade de sobrevivência. As empresas passaram a procurar mais o Sebrae para saber como usar o digital, como vender pela internet. No ano passado, por dia, cerca de seis mil pessoas se inscreveram no curso, mas em 2020 a média diária está em torno de 11 mil empreendedores, sendo que, em abril, essa marca chegou a 15 mil interessados.
Anuário ABAD – O Brasil é um país de empreendedores, e muitas pesquisas apontam isso, mas o que falta ao brasileiro, ou ao Brasil, para ser realmente competitivo?
Carlos Melles – Os dois maiores obstáculos enfrentados pelos empreendedores brasileiros para a elevação do nosso nível de competitividade são a dificuldade de acesso a crédito e a baixa capacidade de inovação. Somente com a difusão da inovação junto ao universo das micro e pequenas empresas nós seremos capazes de dar o salto de competitividade e produtividade de que a economia brasileira precisa. Para isso, precisamos qualificar os empreendedores brasileiros e facilitar o acesso desses donos de pequenos negócios a novas tecnologias de venda, de produção e gestão. Segundo a última pesquisa GEM [Global Entrepreneurship Monitor], de 2019, antes mesmo da pandemia, o Brasil já era o quarto país com maior proporção de empreendedores. Ainda de acordo com a pesquisa GEM, 38,7% da população adulta já estava à frente de um empreendimento, formal ou informal, ou fez, nos últimos 12 meses, alguma ação visando ter um empreendimento no futuro. E este ano, este número deve crescer por conta da dificuldade de arrumar emprego. O ponto central é que o perfil médio das pessoas que tentam se tornar empreendedores ainda não é o ideal, a maioria ainda não está preparada para isso. Precisamos capacitá-las, para evitar que fechem logo ali na frente.
Anuário ABAD – Qual o maior problema enfrentado por micro e pequenas empresas brasileiras?
Carlos Melles – Na atual conjuntura, não há dúvida de que a maior dificuldade enfrentada pelos donos de pequenos negócios é a queda da demanda e a consequente dificuldade de equilibrar o fluxo de caixa. Com a drástica perda de clientes, os empreendedores nos mais diversos segmentos da economia viram despencar o faturamento mensal das suas empresas. Por outro lado, precisam fazer frente aos custos fixos como o pagamento de aluguéis, folha de salários, pagamento de fornecedores, dívidas etc. Como é possível equilibrar esta equação? Por um lado, tentando reduzir estes custos fixos. Por outro lado, ajustando o nível de atividade à nova realidade da demanda. Ainda assim, pode haver um desequilíbrio. Aí é que entra a necessidade de ter acesso ao crédito. Nesse momento, precisamos ampliar e facilitar o acesso desses empresários a crédito e a novas ferramentas digitais que permitam a recuperação de parte do volume das vendas perdidas ao longo do período de isolamento social.
Anuário ABAD – Qual o percentual de participação das micro e pequenas empresas na economia?
Carlos Melles – Os pequenos negócios [Microempreendedores Individuais – MEI, Microempresas – ME e Empresas de Pequeno Porte – EPP] respondem por 99% de todas as empresas do País e são responsáveis pela geração de metade dos empregos formais. Além disso, um levantamento do Sebrae revelou também que as micro e pequenas empresas representam 27% do PIB brasileiro. Segundo dados da Receita Federal de 17 de março de 2020, havia, entre as empresas formais, 17.275.432 pequenos negócios no País, sendo 9.795.497 MEIs, 6.584.163 MEs e 895.772 EPPs. Pequenos negócios são classificados pelo seu faturamento anual: MEI (até R$ 81 mil), microempresas (entre R$ 81 mil e R$ 360 mil) e empresas de pequeno porte (entre R$ 360 mil e R$ 4,8 milhões), segundo a Lei Geral, também conhecida como Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, criada pela Lei Complementar nº. 123/2006. O Sebrae disponibiliza um painel BI [business inteligence] de dados sobre o total de empresas atualizado regularmente com os dados da Receita Federal no endereço: https://datasebrae.com.br/totaldeempresas/. Dos 17 milhões de pequenos negócios, 10 milhões são microempreendedores individuais. Os outros sete milhões se dividem entre microempresas e empresas de pequeno porte. Sobre o MEI, os números citados acima se referem ao mês de os março de 2020; no dia 27 de abril foi confirmado que o número de MEI ultrapassou 10 milhões.
Anuário ABAD – Qual a taxa de sobrevivência de micro e pequenas empresas no Brasil? E qual é a causa da mortalidade?
Carlos Melles – Antes da pandemia, cerca de um quarto das empresas fechava antes de completar dois anos. Este dado é de um estudo do Sebrae de 2016. Em geral, a causa desse fechamento estava associada, principalmente, à falta de preparo para atividade de empreender, problemas no planejamento do negócio antes de abrir a empresa e deficiências na gestão do empreendimento como, por exemplo, gestão do fluxo de caixa, dificuldade de calcular o custo de cada produto e precificação. Com a queda da demanda, durante esta pandemia, a taxa de mortalidade deve aumentar, mas ainda não temos esses números atualizados. O estudo será atualizado ainda em 2020.
Anuário ABAD – A partir do início da quarentena, muitas empresas adotaram estratégias digitais para manter seus negócios em funcionamento. O Sebrae oferece capacitação e orientação nessa área?
Carlos Melles – O Sebrae está oferecendo um conjunto de soluções aos pequenos negócios para que eles possam ampliar sua presença digital e impulsionar suas vendas por meio de ferramentas online. Essa ação vai desde cursos e consultorias gratuitas até parcerias com grandes empresas, como o caso da Magalu. Nessa parceria, por exemplo, a Magazine Luíza, uma das mais importantes plataformas de vendas online do País, está disponibilizando aos clientes do Sebrae (empreendedores) o acesso ao seu marketplace em condições especiais. Os donos de pequenos negócios podem anunciar os seus produtos dentro do site, app e lojas do Magazine Luiza, e vender para os mais de 20 milhões de clientes, potencializando ainda mais o negócio.
Anuário ABAD – Pesquisadores analisam que a pandemia deverá provocar o fechamento definitivo de muitas micro e pequenas empresas. O Sebrae tem estudos a esse respeito? E o que pode ser feito para evitar esse fechamento?
Carlos Melles – O Sebrae vem acompanhando de perto a situação dos pequenos negócios no enfrentamento da crise causada pela pandemia. Desde março, a instituição tem feito levantamentos periódicos para avaliar o nível desse impacto econômico. O último levantamento feito na primeira semana de junho entre pequenos negócios (MEI, Micro e Pequenas Empresas) mostrou que 3% das empresas haviam fechado as portas em definitivo e 43% interromperam o funcionamento temporariamente. O que precisa ser feito é tornar mais ágil e acessível o crédito para o universo de pequenas empresas que estão buscando esse empréstimo para sobreviver. As pesquisas feitas pelo Sebrae mostram que, entre março e junho, cresceu de 30% para 39% o percentual de empresas que tentaram obter empréstimos. Entretanto, na contramão da necessidade manifestada por esses empreendedores, o percentual de empresas que efetivamente conseguiram o crédito cresceu muito pouco (de 11% para 16%).
Anuário ABAD – Que análise o Sebrae faz de campanhas de valorização do pequeno varejo, como o movimento “Compre do pequeno”? A instituição acredita que há empatia em relação aos pequenos negócios?
Carlos Melles – Reconhecemos e apoiamos iniciativas como o movimento “Compre do Pequeno” ou o movimento “Compre do Bairro”. Essas mobilizações valorizam o papel das micro e pequenas empresas na economia local e mostram para a sociedade o quanto é fundamental apoiar os empreendedores que mantêm as cidades vivas e pulsantes. Não falamos apenas de aspectos econômicos, como a geração de emprego e renda; mas também de valores intangíveis, como a memória afetiva da cidade. Imagine o que significaria se todos os bares e restaurantes de um bairro simplesmente desaparecessem. Isso não implicaria apenas um desastre econômico e social, mas uma perda irrecuperável para a identidade de uma comunidade inteira.
Anuário ABAD – De tempos em tempos, surgem defensores da tese de que o Sistema S deve ser extinto. Como o senhor vê essas teses?
Carlos Melles – Antes da crise, o Brasil já era o quarto país com maior taxa de empreendedorismo. Já tínhamos mais de 50 milhões de pessoas envolvidas com pequenos negócios e/ou fazendo algo para criar um novo empreendimento. Antes da pandemia, as carências desse exército de pessoas que desejam ser donos de seu próprio negócio, em termos de capacitação em gestão empresarial, já eram muito grandes. É aí que entra o Sebrae, tentando capacitar esse exército de empreendedores que geram emprego e renda. Agora, com a pandemia, a responsabilidade do Sistema S, em especial do Sebrae, é ainda maior. O País, se quiser recuperar sua economia, terá que contar com o apoio de instituições como o Sebrae. Pensar em extinguir o Sistema S, em especial o Sebrae, é como tirar o aparelho de respiração que está acoplado à pessoa que está numa UTI, vítima da Covid-19. Não acredito que é isso que a sociedade deseja.