Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e pós-graduado em Ciência Política pela mesma instituição, Rubens Figueiredo analisa as mudanças implementadas pelo Senado no processo eleitoral e que valerão já para as próximas eleições. Ele fala, entre outros temas, sobre a criação das federações partidárias, o estímulo às candidaturas de mulheres, negros e indígenas e dos quase R$ 7 bilhões que os partidos terão à sua disposição para gastar no pleito: “Uma barbaridade!”. E lamenta que, apesar de mecanismos de punição, seja difícil proibir as “fake news”. Leia, a seguir, a entrevista.
Anuário ABAD – Quais as mais importantes alterações no processo eleitoral e partidário definidas pelo Senado e que valerão já para as próximas eleições?
Rubens Figueiredo – Do ponto de vista do jogo partidário e da política institucionalizada, a alteração mais importante foi a possibilidade de se formar federações partidárias. Em 2017, uma Emenda Constitucional [EC] extinguiu as coligações em eleições proporcionais. Agora, com as federações, essas coligações “voltam ao jogo”, ainda que de forma mais disciplinada. Já do ponto de vista de aperfeiçoamento do sistema, a EC 111/21 procurou incentivar a candidatura de mulheres e negros, estabelecendo a contagem em dobro dos votos dados a esses segmentos nas regras de distribuição do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.
Anuário ABAD – Considerando que os parlamentares brasileiros nem sempre se mantêm fiéis à filosofia de suas agremiações, o senhor vê a possibilidade de essas federações prosperarem?
Figueiredo – Elas serão formadas, pois são a saída para alguns partidos escaparem da cláusula de barreira ou desempenho. Foi uma saída coorporativa para dar mais vida a partidos que, certamente, não conseguiriam existir de fato depois das eleições de 2022. Trata-se de um retrocesso, muitos partidos continuarão vegetando, vivendo por aparelhos. Partido que entrar numa federação será obrigado a ficar quatro anos coligado. Esse é o lado bom, talvez traga mais identidade programática a esses grupos e uma maior estabilidade ao sistema, pois o Executivo negociará com “players” menos segmentados.
Anuário ABAD – Pelas novas regras, votos dados a mulheres, negros e indígenas serão contados em dobro exclusivamente para fins de distribuição entre os partidos dos recursos dos fundos eleitoral e partidário. Essa decisão é suficiente para aumentar a participação desses grupos na vida política nacional?
Figueiredo – Suficiente não é, mas ajuda. Os partidos correrão mais atrás de mulheres e negros para aproveitar essa mudança na legislação. É uma questão de Teoria dos Jogos: se o partido que tiver mais votos em mulheres e negros e receber mais recursos a um custo aparentemente menor, é evidente que apostará neles. Tenho cá minhas dúvidas sobre se aumentar o número de qualquer segmento social melhora, necessariamente, a qualidade da representação no Parlamento. Agora, que reflete melhor o conjunto da sociedade, reflete. Também não sei se aumentará muito o número de mulheres e negros eleitos, mas os partidos os estão tratando com muito mais carinho. Não basta apenas tê-los como candidatos “laranjas”, eles precisarão ter votos.
Rubens Figueiredo é bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e pós-graduado em Ciência Política pela mesma instituição. Além disso, é consultor da Fundação Espaço Democrático e integra o Conselho Superior de Estudos Avançados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e o Conselho Consultivo da Associação Comercial de São Paulo.
É diretor do Cepac – Pesquisa e Comunicação, empresa voltada para a consultoria nas áreas de pesquisas, marketing político e elaboração de indicadores. É autor do livro “Junho de 2013 – A Sociedade Enfrenta o Estado” (Summus Editorial)
Anuário ABAD – Neste ano, os partidos terão acesso ao valor de R$ 5, 7 bilhões do fundo eleitoral e R$ 1,2 bilhão do fundo partidário. Eticamente, esses valores são defensáveis, considerando as dificuldades por que passam o País e os brasileiros?
Figueiredo – É uma barbaridade! Mas a alternativa – admitir a contribuição de empresas – deu muitos problemas no Brasil. Tenho a sensação de que os compromissos que se estabeleciam entre empresas que financiavam campanhas e os candidatos eleitos deram um prejuízo muito maior ao País do que esses R$ 6,9 bi. Democracia custa e ainda bem que custa. Olha o desperdício que têm nas estatais, na gestão do dinheiro público, obras paradas, incompetência, corrupção… Comparado com isso, o Fundo Partidário e o Eleitoral são “peanuts” [gíria que expressa mixaria, pouco dinheiro].
Anuário ABAD – Um tema que preocupa é a disseminação de notícias falsas durante o processo eleitoral. É possível coibir esses abusos?
Figueiredo – Esse é um problema grave em todo lugar. No Brasil, é um pouco pior, pois somos um povo que usa muito as redes sociais, por um lado, e nosso eleitorado é infelizmente muito pouco escolarizado, por outro. É possível criar mecanismos que desestimulem a prática, como, por exemplo, uma legislação que puna exemplarmente quem criar e difundir “fake news”. Mas proibir “fake news” é mais ou menos como proibir a masturbação. Como se controla isso?
Anuário ABAD – Fala-se que o Brasil tem mais partidos do que precisa, muitos deles sendo apenas “legendas de aluguel”. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, há mais de 30 legendas registradas. O senhor concorda com esse raciocínio?
Figueiredo – É evidente que o Brasil tem mais partidos do que precisa. Ter partido no Brasil tornou-se uma questão empresarial, e não de representação. Se você sair perguntando aos eleitores – lembrando que mais de 50% dos eleitores ganham menos de dois salários mínimos – ninguém sabe o que os partidos representam. E se subir na escala social, a falta de identidade também é preocupante. O que representa o PT? Para os petistas, é o partido dos pobres e para os não petistas é o partido dos ladrões. O PSDB, para os eleitores de mais idade, pode ser lembrado como o partido que estabilizou a moeda. Para o pessoal que ouve Francisco Petrônio e Agnaldo Rayol, dos setenta e tantos anos para cima, o MDB pode significar a luta contra a ditadura. E é só. Os outros 27 não passam nada para a sociedade. Pergunte ao eleitorado brasileiro qual é o partido do presidente da República. Se mais de 30% souberem, dou um salto mortal triplo do último andar do meu prédio.
Anuário ABAD – As novas regras conseguirão tornar o processo eleitoral mais transparente, criando uma blindagem contra a corrupção e outros desmandos?
Figueiredo – Não acredito que o sistema político melhorará de uma hora para outra com mudanças na Lei, por melhores que sejam (e elas não são). Veja, por exemplo, o mecanismo de cotas para as mulheres. A intenção é a melhor possível, mas o resultado foi desastroso. Ao elevar artificialmente a necessidade de ter mulheres na disputa – e como não havia mulheres interessadas na empreitada – o resultado foi a candidatura de um laranjal de incautas. Tinha mulher que mal sabia que era candidata. Como tem cota de financiamento também, mulheres-candidatas “recebiam” dinheiro que não chegava a elas efetivamente. Há uma diferença imensa entre intenção e resultado. Tentar aperfeiçoar o sistema político na base do salto em distância é igual tomar vinho e ir namorar depois de uma certa idade: aumenta o desejo, mas diminui o desempenho. Estamos melhorando aos poucos e estaremos quase bons ao fim dos 42 quilômetros da maratona.