O presidente da ABAD, Leonardo Severini, analisa, nesta entrevista ao Anuário ABAD, o desempenho do Brasil neste ano, em que o país ainda enfrenta uma inflação alta e, como, outras nações, sofre os efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia. Severini, no entanto, revela otimismo em relação ao futuro. “O atacado cresceu nos últimos dois anos com o varejo. Cresceu 20% em 2020, se manteve crescendo em 2021 e continua de estável a crescente em 2022, pelo fato de trabalharmos com bens de primeira necessidade.” Para ele, o Brasil é uma roda que se autoalimenta, e cabe aos brasileiros continuar a fazer essa roda girar de forma tranquila, sem qualquer sangramento, sem sustos. Leia, a seguir, a entrevista.
Anuário ABAD – Quais as suas expectativas com relação ao desempenho do setor neste ano?
Leonardo Severini – Em primeiro lugar, temos que pensar no panorama mundial. Está havendo uma inflação mundial dada a quebra do fluxo logístico pré-existente, anterior à pandemia, que está fazendo com que o mundo perceba e receba uma inflação diferente do que sempre houve nos últimos quarenta anos. O mundo todo está experimentando uma inflação, muitos países não estão acostumados com ela, não estão preparados, e pode ser que haja uma escassez de crédito no panorama internacional. Percebemos que o Brasil tem ainda uma memória inflacionária, sabe lidar com o problema com os seus devidos limites, porque a inflação pode se tornar um fenômeno incontrolável, mas o brasileiro tem essa resiliência com relação à inflação. Em termos de economia, o País está com os fundamentos macroeconômicos bem consolidados. Vemos, no Brasil, uma situação de arrefecimento do poder aquisitivo da população, que a leva a ter que fazer escolhas de consumo, de missão de compra, de embalagens, de trade down de alguns produtos. Isso, de fato, acaba acontecendo. Em resumo, o que eu vejo de todo esse panorama é que o setor alimentar mercearil ainda experimenta um nivelamento de operação, de transações em termos de volume, mas com tendência de manutenção, com leve crescimento em termos de volume pelos fundamentos macroeconômicos que o Brasil possui. Estamos vendo o agronegócio crescer. O País está recebendo divisas internacionais por conta do crescimento do consumo agrícola, da capacidade de abastecimento que temos e dos fechamentos de intercâmbio de recebimento de insumos, fertilizantes, insumos agrícolas. Estados Unidos, Europa, China e Rússia são os maiores consumidores do tipo de produto agrícola que o Brasil vende. O atacado cresceu nos últimos dois anos com o varejo. Cresceu 20% em 2020, se manteve crescendo em 2021 e continua de estável a crescente em 2022, pelo fato de trabalharmos com bens de primeira necessidade. Neste ano, vamos de empate a crescimento leve. As commodities crescendo, o consumo agrícola crescendo, o Brasil, com fundamentos macroeconômicos pré-estabelecidos, autossuficiente na produção alimentar, é uma roda que se autoalimenta. Em termos de produção e consumo é uma roda dentada que está em constante funcionamento. Temos como continuar a fazer essa roda girar de forma tranquila, sem qualquer sangramento, sem qualquer susto.
Anuário ABAD – Com relação ao início do ano houve melhora nas previsões?
Leonardo Severini – Tivemos, no início do ano, uma apreensão com relação a como seria o mundo, porque tivemos notícias internacionais de que o crédito entraria em processo de arrefecimento. Alguns investidores realizando prejuízo, alguns redirecionando investimentos, isso nos gerou um pouco de apreensão. Mas, diante disso tudo, o Brasil acabou se tornando um país atrativo para investimento, coisa que não esperávamos. Essa apreensão acabou se tornando otimismo ao longo do ano. O Brasil continuou a ser visto como um mercado atrativo para investimentos. É um país liberal, o brasileiro tem uma posição de liberalismo econômico, diferente de vários outros países. China e Rússia, que são altamente competitivos internacionalmente, são economias fechadas. São países competitivos, incentivam a produção, a competitividade, o mercado internacional, mas são países fechados. O Brasil é mais democrático nesse ponto. As expectativas melhoraram muito pela forma como o Brasil está sendo apresentado no mundo, pela forma como os empresários brasileiros estão tocando os negócios, as suas empresas, fazendo a transformação digital, sempre atentos aos sinais de disrupção que podem atrapalhar qualquer processo produtivo, qualquer processo logístico, mas, ao mesmo tempo, implementando soluções e transformações digitais nos seus negócios.
O mineiro Leonardo Miguel Severini faz parte de família de tradicional atuação no setor atacadista e distribuidor. Formado em Direito e Administração de Empresas, assumiu a direção da empresa da família, o Grupo Vila Nova, em 2000. É membro da Associação Comercial de Poços de Caldas e já foi presidente da filiada da ABAD em Minas Gerais, a Associação dos Atacadistas Distribuidores do Estado de Minas Gerais. Integrante da diretoria da ABAD desde 2013, Severini assumiu a presidência da Associação em janeiro de 2021
Anuário ABAD – A inflação tem corroído o poder de compra do consumidor. Como o setor está lidando com essa realidade?
Leonardo Severini – O nosso setor está fazendo o dever de casa, está comprimindo as suas margens, negociando cada vez mais com a indústria. Por conta de alguns insumos serem regulados internacionalmente, os preços são repassados para as indústrias. Estou falando de embalagens, insumos de produção, parte da composição dos produtos. As indústrias pressionam com virada de tabela, o nosso trabalho é comprimir nossa margem, negociar cada vez mais com a indústria e conscientizar clientes e consumidores quanto a oportunidades de trade down de produtos que têm a mesma qualidade e oferecem oportunidades de preços melhores. Este é o nosso trabalho.
Anuário ABAD – Os recentes benefícios concedidos pelo governo, como a ampliação do Auxílio Brasil e Auxílio Gás, além de ajuda aos caminhoneiros autônomos e taxistas, podem alterar esse quadro?
Leonardo Severini – Podem melhorar ainda mais o cenário, visto que trabalhamos com o básico. Foi um pacote bilionário de medidas. Isso é dinheiro na veia para o consumidor. O que ele compra com isso? Produtos de primeira necessidade. Quem vende produtos de primeira necessidade, basicamente, é o setor mercearil, o setor de supermercados. Quem fornece para os supermercados é o atacado distribuidor de produtos mercearis, que é justamente o nosso caso. Esse auxílio interfere diretamente no nosso setor e faz com que ele tenha perspectivas cada vez melhores. A guerra entre Rússia e Ucrânia está gerando um abalo nos preços dos combustíveis e energia no mundo. O Brasil é autossuficiente em energia, e em petróleo beira a autossuficiência. O País tem condição de controlar determinadas políticas de distribuição e precificação. Foi o que o governo fez, interferiu diretamente no imposto estadual do preço dos combustíveis na bomba. Em termos de preço dos combustíveis na bomba, o Brasil está nivelando com outros países. Essa guerra gerou o mesmo impacto que a Covid-19 em termos de imprevisibilidade. Ninguém esperava o impacto direto nos combustíveis, e isso gera aumento de preços.
Anuário ABAD – De olho no amanhã, quais são suas expectativas para 2023?
Leonardo Severini – Muito boas. Agora, seja qual for o presidente eleito, o setor acredita, e não só o setor, a UNECS [União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços] acredita em uma agenda liberal econômica. Quem quer que vença, tem que conduzir a pauta econômica de uma forma liberal. É a forma que o Brasil tem para crescer diante deste cenário. É a única forma para termos condição de estabelecer um ritmo diferente para a nossa produtividade. O que está acontecendo com o agronegócio tem que acontecer com o nosso parque industrial e o nosso parque de consumo. Temos que estar cada vez mais prontos para uma simplificação digital. Temos que implantar reformas importantes para o País, como a reforma administrativa, supressão do custeio da máquina pública e, consequentemente, tratar diretamente a tributação sobre consumo, que é a tributação mais penosa para o Brasil. O brasileiro sempre esteve pronto para os imprevistos, como inflação, como pacotes econômicos, como situações adversas que aconteceram na economia. O brasileiro é muito resiliente, tem o dom de lidar com o imprevisto, tem capacidade de ser criativo. Precisamos manter a agenda liberal de governo. O ganhador das eleições tem que manter uma agenda liberal econômica, que é o mais importante para o nosso País.•