“O Brasil necessita urgentemente de uma reforma tributária. Não se pode admitir a perda de tanto tempo para o pagamento de impostos”
Nelson Barrizzelli, pesquisador da Fundação Instituto de Administração (FIA)
Dois meses e dois dias. Esse é o tempo que as empresas brasileiras gastam para realizar o pagamento de impostos, de acordo com o relatório Doing Business 2020, divulgado pelo Banco Mundial. O cálculo exato indica 62,5 dias, ou 1.501 horas anuais. Esse cálculo coloca o Brasil no topo do ranking, entre 190 países, em tempo gasto para o pagamento de impostos. Em segundo lugar vem a Bolívia, com 1.025 horas anuais. Em países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o gasto é de 158,8 horas, ou 10,5% do gasto no Brasil. Já na América Latina e Caribe são 317 horas, que correspondem a 21% do índice brasileiro. Para quem se espantou com o tempo que empresas gastam para acertar sua vida com o Fisco, no primeiro estudo do Banco Mundial em que o Brasil foi citado, em 2014, o total de horas exigido era de 2.600.
“O Brasil tem um dos sistemas tributários mais malucos do mundo”, sentencia o professor Nelson Barrizzelli, pesquisador da Fundação Instituto de Administração (FIA), acrescentando que ele chega a causar espanto nos investidores estrangeiros. “Certa feita, uma empresa francesa interessada em investir no Brasil pediu informações sobre o nosso sistema tributário. Quando terminei a explanação, a empresa desistiu do investimento”, conta.
Para mudar essa realidade e simplificar a cobrança de impostos no Brasil, tramitam no Congresso Nacional três propostas que alteram a Constituição e produzem profundas mudanças no atual sistema tributário. Uma comissão mista de 50 parlamentares criada em 19 de fevereiro último analisa as PECs (Propostas de Emenda à Constituição) 110/2019 e 45/2019. A ideia inicial era que o resultado dessa comissão fosse votado em 5 de maio. A pandemia provocada pelo coronavírus, no entanto, alterou esses planos. No final de julho, o Governo Federal encaminhou a sua proposta de reforma (veja boxe).
Basicamente, as duas propostas originárias do Legislativo têm por objetivo simplificar e racionalizar a tributação sobre a produção e comercialização de bens e a prestação de serviços, base tributável atualmente compartilhada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Ambas propõem a extinção de vários tributos, que seriam substituídos por um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), nos moldes do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), cobrado na maioria dos países desenvolvidos. Criam, também, o Imposto Seletivo.
A PEC 110/2019 é, na verdade, a PEC 293/2004, aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados no final de 2018 e encampada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, onde tramita. O ex-deputado Luiz Carlos Hauly foi o relator da proposta quando ela tramitou na Câmara. Já a PEC 45/2019, de autoria do deputado Baleia Rossi, aguarda aprovação de comissão especial da Câmara.
Embora essas duas propostas sejam semelhantes na essência, há diferenças significativas entre elas. Pela PEC 110/2019, o IBS deverá substituir nove tributos: IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE – Combustíveis, Salário Educação, ICMS e ISS. Já a PEC 45/2019 substitui cinco tributos: IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS. Com relação ao Imposto Seletivo, pela PEC 110/2019, será cobrado sobre operações com petróleo e seus derivados, combustíveis e lubrificantes, gás natural, cigarros, energia elétrica e bebidas alcoólicas, entre outras operações. Já na PEC 45/2019 não há descrição de quais produtos ou serviços sobre os quais incidirá esse imposto. A proposta determina apenas que ele será cobrado para desestimular o consumo.
Impactos
Enquanto o Congresso se volta à análise das propostas, entidades se mobilizam para avaliar o impacto que alterações no atual sistema tributário poderão provocar. A União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (UNECS), organização que congrega as nove maiores entidades do setor, e da qual a ABAD faz parte, encomendou estudo nesse sentido à FIA, que está sendo coordenado pelo professor Nelson Barrizzelli. O questionamento por trás dessa solicitação é: sendo aprovada uma reforma tributária, a cobrança permanecerá a mesma, aumentará ou diminuirá? “Pretendemos com esse estudo mostrar como está a situação de cada uma dessas nove entidades em relação à cobrança de impostos e como ela ficará, dependendo de qual das propostas em tramitação no Congresso seja aprovada”, explica o professor Barrizzelli.
Para produzir esse levantamento, Barrizzelli encaminhou questionários a empresas indicadas pelas suas respectivas entidades. Cada entidade indicou de seis a oito empresas, todas de grande porte. O mapeamento das respostas se converterá num relatório que será encaminhado à UNECS. Na opinião de Barrizzelli, as duas propostas nascidas no Legislativo são bastante semelhantes; assim, é provável que elas se transformem num único projeto. “O Brasil necessita urgentemente de uma reforma tributária. Não se pode admitir a perda de tanto tempo para o pagamento de impostos”, afirma, acrescentando que, além de complexo, o atual sistema é extremamente burocratizado.
Proposta do governo acaba com PIS/Pasep e Cofins
O governo federal também encaminhou ao Congresso a sua contribuição para a reforma tributária. Na verdade, o projeto enviado aos presidentes da Câmara e do Senado no final de julho é a primeira parte de uma proposta mais ampla de reforma do sistema tributário brasileiro. Esse primeiro texto institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), substituindo o PIS/Pasep e a Cofins, com alíquota única de 12%. O projeto deverá ser incorporado à tramitação das duas outras propostas em andamento: a PEC 45/2019, da Câmara, e a PEC 110/2019, do Senado.
O texto do governo pretende que a CBS seja um imposto não-cumulativo, ao contrário do PIS/Pasep e Cofins, que são cumulativos. Esses impostos incidem sobre o valor total em todas as etapas da cadeia de produção ou de comercialização, inclusive sobre o próprio pagamento do tributo na etapa anterior. Os impostos não-cumulativos incidem apenas sobre o valor agregado de cada etapa.
Na apresentação do projeto ao Congresso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, destacou que ele é apenas a primeira parte da contribuição do governo e que outros textos serão enviados. Uma dessas medidas será a reestruturação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), para transformá-lo num imposto seletivo, incidindo apenas sobre determinado conjunto de bens, especialmente aqueles que têm consequências negativas à saúde, como bebidas alcoólicas, cigarros e alimentos à base de açúcar. Outra proposta será uma mudança do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), com redução da carga tributária sobre as empresas em troca da tributação dos dividendos. Por fim, o governo também pretende encaminhar projeto acabando com a contribuição patronal sobre a folha de salários, visando à redução do custo da contratação de trabalhadores com carteira assinada.